15 de abril de 2024

Andrade Gomes | Notícias

A NOVA LISTA DO INSS – Consequências Jurídicas, Econômicas/Financeiras e Prevenção

A NOVA LISTA DO INSS – Consequências Jurídicas, Econômicas/Financeiras e Prevenção

1 – As consequências imediatas da nova lista

Em dezembro último foram inclusas pelo Ministério da Saúde 165 novas patologias como passíveis de serem caracterizadas como doenças profissionais. A lista tem como foco as condições de saúde provocadas pelo trabalho ou por características da atividade que o trabalhador exerce.

A nova Lista inclui doenças como Covid-19, distúrbios musculares diversos, burnout (síndrome do esgotamento profissional), transtornos mentais como ansiedade, depressão, tentativa de suicídio, além de alguns tipos de câncer, dentre outras diversas  doenças. Também foram inseridos transtornos relacionados ao uso excessivo de álcool, drogas e até café, uma vez reconhecido que o consumo de determinadas drogas ou o uso abusivo de determinados produtos, mesmo que lícitos, podem ser consequência do trabalho, como, por exemplo, de jornadas exaustivas ou de assédio moral.

Todas as doenças inclusas podem ser consideradas doenças do trabalho pelo INSS e, a princípio, a partir do Nexo Epidemiológico do INSS.

Conforme artigo 21-A, da Lei 8.213/91, a perícia médica do INSS irá caracterizar a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e a doença. Ou seja, o nexo epidemiológico decorre da relação entre a atividade do empregador e a doença motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID). Nesse sentido, há uma presunção da natureza laboral da doença com base no nexo epidemiológico.

Registre-se que, embora essa presunção tenha natureza relativa, ou seja, a perícia médica do próprio INSS possa deixar de aplicá-la quando demonstrada a inexistência do nexo epidemiológico, fato é que cria um caminho inicial para a caracterização das doenças do rol como relacionadas ao trabalho.

O dispositivo legal citado, já muito questionado, criou uma presunção de nexo técnico epidemiológico entre as atividades da empresa e a doença do trabalho ou profissional alegada pelo trabalhador em virtude de vinculá-la a esse critério epidemiológico. Não obstante, esse critério nada mais é do que um fator estatístico, que deveria ser válido, exclusivamente, para a elaboração de políticas de saúde pública, mas, em nenhuma hipótese, deveria ser utilizado para caracterizar a responsabilidade do empregador quanto à doença ocupacional. Mas, enfim, essa é a realidade prática que vivemos.

Importante apenas registrar que essa presunção relativa, embora seja claramente perigosa, pois gera situações extremamente controvertidas, é passível de impugnação, inclusive por via judicial.

Note-se, por oportuno, que o exposto não quer dizer que anteriormente uma doença mental, por exemplo, não poderia ser caracterizada como relacionada ao trabalho, mas a dificuldade de constatação deste nexo entre a doença e a atividade profissional era muito maior, pois dependia de avaliação e comprovação técnica robustas!

Por fim, essencial esclarecer que o estabelecimento de nexo entre a doença e o trabalho quase sempre é interpretado pelo menos como concausa do trabalho pelo distúrbio, o que gera, em tese, responsabilidade do empregador, em maior ou menor grau, de acordo com sua ação para o fato.

Posto isto, importante tratar as principais consequências jurídicas e, por corolário, econômicas e as financeiras para o empregador decorrentes das novas doenças passíveis de serem consideradas relacionadas ao trabalho.

2 – As consequências jurídicas e financeiras para os empregadores

A consequência primária, e que já vem sendo retratada desde o início de 2024, é o aumento exponencial de caracterização de doenças como ocupacionais pelo INSS, com concessão de Benefícios Acidentários B-92, ao invés de Benefícios de Doenças Comuns, B-31, como ocorria anteriormente.

Outra consequência correlata será o aumento de concessão de Aposentadorias Por Invalidez.

Estas situações certamente irão gerar consequências econômicas de aumento de custos para o Estado Brasileiro. Mas, a partir daí, temos o início de consequências financeiras que afetam os Empregadores.

A primeira é a interferência em tributos a serem pagos pelo empregador. Com efeito temos, inicialmente, a contribuição previdenciária denominada RAT – Riscos Ambientais do Trabalho, cujo valor do imposto varia, a princípio, de 1% a 3% em cima da folha de pagamento mensal, conforme grau de risco da atividade da empresa. E o FAP (Fator Acidentário de Prevenção) que mede o desempenho da empresa em relação à prevenção de acidentes de trabalho, dentro de sua área de atuação. O FAP é calculado anualmente a partir de dados informados à Previdência Social sobre acidentes e afastamentos ocorridos durante os dois últimos anos e serve como fator multiplicador do RAT no percentual de 0,5 a 2%. Portanto, o seu valor obtido é usado como um multiplicador para definir se a empresa deve pagar mais ou menos sobre a alíquota do RAT. Por exemplo, uma empresa de alíquota 2% de RAT, com FAP de 2%, pagará o imposto com alíquota de final de 4%!

Uma outra situação que deve se tornar mais rotineira, são as ações regressivas pelo INSS. Com efeito, de acordo com o artigo 120 da Lei 8.213/91, nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis pelos custos despendidos.

Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é consolidada no sentido de que o recolhimento do SAT – Seguro de Acidente do Trabalho – não impede a ação regressiva do INSS para o ressarcimento dos valores pagos ao segurado ou seus dependentes, a título de benefício previdenciário, nos casos em que o acidente do trabalho, ao que se equipara a doença do trabalho, decorre de negligência do empregador, por inobservância das normas padrão de segurança e higiene do trabalho

A nova lista do INSS, também, possibilita elementos novos para as fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego. Embora as doenças estejam sempre sujeitas a uma análise técnica circunstanciada, dúvidas não restam de que teremos um aumento de autuações com base em CIDs de doenças e afastamentos.

Da mesma forma, novos elementos surgem para atuação do Ministério Público do Trabalho. Aumentam os riscos de fiscalização na área de doenças, com proposituras de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) e Ações Civis Públicas.

Quanto aos custos diretos ao empregador, temos os reflexos no contrato de trabalho como, por exemplo, estabilidade no emprego e realização dos depósitos do FGTS durante a concessão do benefício previdenciário.

Com efeito, o empregado que recebe benefício decorrente de acidente/doença do trabalho, em razão de afastamento superior a 15 dias do trabalho, passa a ter garantia de emprego pelo prazo de 12 meses após o seu retorno do afastamento previdenciário.

E, também, quanto ao FGTS, ao contrário da hipótese de concessão de benefício de doença comum onde não há recolhimento do Fundo de Garantia durante o período em que o referido benefício é pago, se o empregado receber do INSS o Benefício com código B-91 do INSS, em razão doença ou acidente do trabalho,  durante o período de recebimento do Benefício B-91, o empregador tem o dever de recolher o FGTS.

Citamos acima a garantia de emprego decorrente da estabilidade acidentária, mas temos também o risco de caracterização de dispensa discriminatória (Súmula 443, do TST) quando a doença que tenha acometido o Autor, embora permita seu retorno ao trabalho, seja crônica e grave de forma a suscitar estigma ou preconceito. Esta situação impediria, em tese, a dispensa do empregado sem justa causa, com sua consequente reintegração ao trabalho.

Por fim, temos a responsabilidade civil do Empregador em decorrência de doença caracterizada como do trabalho. A responsabilidade civil tem como consequência o dever de indenizar o empregado por danos morais e danos materiais. Os danos morais, em tese, são consequência imediata da caracterização laboral da doença, ainda que o labor tenha sido considerado apenas como concausa da doença, com valores arbitrados pelo Judiciário de acordo com a responsabilidade apurada. Já o dano material pode se constituir de danos emergentes, ou seja, custos imediatos como internação, tratamento, medicação e outros procedimentos que devem ser concedidos ao empregado, e lucros cessantes, ou seja, prejuízos financeiros e materiais do empregado e seus dependentes decorrentes de sua incapacidade pela doença relacionada ao trabalho. A responsabilidade material também dependerá do grau de responsabilidade do empregador pela doença.

Antes de finalizar essa etapa, cumpre ressaltar, que, mesmo com o nexo declarado pelo INSS, sempre será possível discutir de forma administrativa, e, principalmente, por via judicial, a natureza da doença do trabalhador.

3- Prevenção. A forma principal de evitar prejuízos decorrentes da nova lista

A forma básica de prevenção, sob o ponto de vista estritamente legal, será sempre o cumprimento da nossa legislação básica de segurança e saúde do trabalho. As normas de segurança e saúde do trabalho estão previstas nas NRs (Normas Regulamentadoras) do Ministério do Trabalho e variam conforme tópicos de segurança e saúde e atividades desenvolvidas pela empresa.

Mas, de fato, a experiência demonstra que a prevenção, além do cumprimento das regras básicas de segurança e saúde do trabalho, está também efetivamente ligada à gestão do ambiente do trabalho.

Com efeito, em uma sociedade adoecida como a nossa, e, ao mesmo tempo, com tantos avanços sociais e comportamentais, imprescindível que os líderes, aqueles que são o espelho e os responsáveis diretos pela gestão de equipes e trabalhadores, estejam preparados para propiciar um ambiente adequado de trabalho, observando a condição de cada ser humano e a diversidade característica do mundo moderno.

Fato é que cada vez são mais comuns as alegações de doenças relacionadas ao trabalho e pleitos de indenizações por supostos assédios moral e sexual. Esse o quadro já comum – muitas vezes decorrentes de alegações de jornadas de trabalho excessivas, cobranças desproporcionais e tratamentos discriminatórios – nas demandas da Justiça do Trabalho e que servem de alerta também diante da nova Lista do INSS, já que, as discussões e condenações podem crescer em níveis exponenciais se as empresas não possuírem ações efetivas e preventivas que busquem um ambiente de trabalho saudável.

Nesse sentido, existem programas diversos, hoje em dia, que favorecem ambientes adequados do trabalho. Além do cumprimento das regras legais de segurança e saúde do trabalho, um efetivo programa de Compliance, o treinamento permanente de gestores e empregados, a implantação de sistemas de Diversidade e Inclusão, Certificações e a adoção da agenda ESG, são fatores determinantes para descrever hoje em dia ambientes saudáveis de trabalho.

Citados acima apenas os principais programas de gestão de ambiente do trabalho, não exaustivos, mesmo porque há uma constante evolução da nossa sociedade neste campo. Nesse sentido, por exemplo, o Projeto de Lei 4.358/2023 que corre no Senado e que tem como objetivo certificar empresas promotoras de saúde mental no ambiente de trabalho.

De forma prática, também há de se ressaltar o trabalho essencial a ser realizado pelos Serviços de Segurança e Medicina do Trabalho no caso de suspeitas de doenças. Neste particular, podemos citar novamente uma tríade de cuidados:

1 – Atuação proativa da empresa no acompanhamento passo a passo da situação da saúde do trabalhador, no seu encaminhamento se incapacitado para o trabalho por mais de 15 dias, e durante todo o processo perante o INSS.

2 – Atuação ativa e efetiva do médico assistente do trabalho (empregado ou de empresa de assessoramento) mediante análise clínica completa, solicitação de exames médicos complementares se necessários, elaboração de laudos circunstanciados para encaminhamento do empregado ao INSS se for caso de incapacidade por mais de 15 dias, mas, principalmente, a gestão de todo esse processo junto com o empregador.

3 – Por fim, diante das várias nuances legais, também não se pode deixar de frisar a necessidade de uma assessoria jurídica adequada. Mesmo porque, reitere-se ainda uma vez, além dos recursos em esfera administrativa, toda essa situação legal sempre poderá ainda ser discutida judicialmente.

Em conclusão, podemos afirmar, com certeza absoluta, que são muitos os efeitos da ampliação da Lista de Doenças do Trabalho pelo Ministério da Saúde no dia a dia das empresas em geral e merecem, muito, a atenção de todos gestores e consultores empresariais, mas, fato também que existem caminhos e ações efetivas para minimizar os riscos e impactos correspondentes.

Veja o nosso Webinar sobre o tema: https://youtu.be/tA0iPLG7DXs

Renato de Andrade Gomes

Sócio da Andrade Gomes Advogados