16 de abril de 2024

Andrade Gomes | Notícias

A UTILIZAÇÃO DA CLÁUSULA MED-ARB NOS CONTRATOS DE TRABALHO

I – OS CONFLITOS TRABALHISTAS

Mesmo considerando as peculiaridades e a natureza que permeia a Relação de Trabalho, os conflitos trabalhistas já não são tratados como disputas desequilibradas em qualquer circunstância, pois o que determina eventual disparidade são os sujeitos envolvidos no caso concreto.

O nosso ordenamento social e econômico já não comporta o tratamento das relações de trabalho no modelo que teve seu marco inicial em 1930, a partir de uma estrutura jurídica e institucional de um novo modelo trabalhista para aquela época até o final da ditadura getulista (1945).

As relações de trabalho, assim como os próprios empregados e empregadores individualmente considerados, vêm mudando seu perfil ao longo dos anos, passando por sucessivas alterações, seja pelo surgimento da tecnologia, que vem traçando inclusive novas modalidades de trabalho, seja pelos próprios maquinários e locais de trabalho cada vez mais modernos, bem diferente da realidade vivida na época da Revolução Industrial.

A escolaridade e evolução cultural dos novos profissionais é algo inconteste diante do cenário laboral da década de 40 o que já demonstra que a proteção excessiva da época não mais é necessária para se equilibrar a relação trabalhista.

A verdade é que as “relações trabalhistas e as próprias relações econômicas e sociais transforam de maneira exponencial o que não foi acompanhado pelo legislador e nem tampouco pela grande parte dos aplicadores do Direito. (DAHAS, 2018, p.127)

Não se tem dúvida do errôneo entendimento que ainda prevalece no ordenamento jurídico, de que a proteção do trabalhador seja a finalidade principal do Direito do Trabalho, pois “ao se defender o direito como proteção é insistir na manutenção do trabalhador como classe à parte na sociedade, ao invés de integra-lo, o exclui, reduzindo-o à uma inexplicável e inaceitável menoridade social, vinculando e  tornando-o dependente do paternalismo do Estado, que é mais danoso que o paternalismo patronal (PEDROSO, 2005).

Diante deste contexto, mesmo diante das inúmeras tentativas de alterar a norma trabalhista nos últimos 5 anos, com destaque para as Leis 13.429/17 (Lei da Terceirização) e 13.467/17 (Reforma Trabalhista), ainda assim a insegurança jurídica permanece, pois percebe-se nitidamente que o problema não decorre tão somente da norma, mas da forma como são interpretadas e aplicadas pela Justiça do Trabalho.

Um exemplo desta insegurança, que inclusive é o estado da arte deste ensaio, repousa no artigo 855-B da CLT, que trata sobre o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial.

Prevê o artigo 855-B da CLT “que o processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado”, acrescido de seu § 1º o qual dispõe que “as partes não poderão ser representadas por advogado comum.”  (BRASIL, 1943)                

Portanto, os únicos requisitos para homologação deste procedimento é por óbvio o cumprimento do disposto no artigo 104 do Código Civil, que trata da validade dos negócios jurídicos (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei) e a assinatura em conjunto de advogados distintos.

            Contudo, o que se percebe é o descumprimento explícito da norma vigente sem qualquer fundamento legítimo, demonstrando nitidamente a insegurança jurídica que se permeia na jurisdição trabalhista.

II – OS TRABALHADORES HIPERSUFICIENTES

            Durante décadas, mesmo diante das transformações do mundo econômico e corporativo, o conceito de empregado se aplicava indistintamente ao mais simples colaborador, sem qualquer tipo de formação técnica e cultural até aos gestores, diretores, CEO´s de empresas, Reitores de Universidade, dentre outros cargos de alto escalão, com ampla formação intelectual e salários acima da média.

Tornou-se, desta forma, conforme já asseverado, a necessária releitura das relações de trabalho, com nova regulamentação, ainda bem tímida e conservadora, diferenciando o empregado convencional que merece uma tutela mais abrangente, daquele que efetivamente tem maior autonomia da vontade na relação empresarial, o qual foi denominado pela doutrina como empregado hipersuficiente.

E a legislação vigente optou por adotar o critério objetivo de enquadramento do empregado hipersuficiente como sendo aquele “portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”[1]

Importante ressaltar que o empregado hipersuficiente continua submetido às regras da CLT “mas não com a mesma rigidez e parcialidade”, até mesmo porque referidos empregados por serem mais qualificados “tem um mínimo de discernimento e certamente tem maior liberdade para contratar” (NAHAS, 2017, P. 17-18).

            Percebe-se, portanto, que a Lei atribui uma maior liberdade e autonomia na manifestação de vontade dos sujeitos da relação trabalhista quando estamos diante de um empregado hipersuficiente e por consequência uma maior segurança jurídica, o que não era uma realidade dos contratos de trabalho:

…o § único, do artigo 444, da CLT, atendeu a um reclamo dos empregadores, que desejavam maior segurança jurídica nos compromissos firmados com os empregados altamente qualificados, ocupantes de elevadas e destacadas posições na estrutura hierárquica das empresas e que recebem salários/benefícios diferenciados. Neste sentido, a partir de 11/11/17, as cláusulas firmadas com os empregados que preenchem os requisitos legais cumulativos estabelecidos no §único, do artigo 444, da CLT, que não desrespeitem a Constituição Federal e a CLT, passam a ter mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, gerando, assim, maior estabilidade nos relacionamentos empregatícios e segurança para as partes, especialmente para o empregador. Assim, cláusulas de não concorrência, sigilo, não solicitação, retenção após determinado evento ou pagamento, entre outras não poderão mais ser contestadas ou anuladas, se atenderem ao que determina a Constituição Federal e a CLT, sobrepondo-se, pois, ao conteúdo normativo mínimo estabelecido na lei (GADOTTI, 2018).

            Apesar da previsão expressa da legislação trabalhista, e o seu dever de observância por força do inciso II do artigo 5º da Constituição da República, ainda assim remanesce a insegurança jurídica dos conflitos submetidos à Justiça do Trabalho, razão pela qual existem hoje no ordenamento jurídico, instrumentos para elidir esta insegurança, dentre eles a arbitragem trabalhista.

II – A ARBITRAGEM TRABALHISTA

            A arbitragem é um dos modelos multiportas de solução de controvérsias, de natureza heterônoma, no qual as partes elegem um terceiro imparcial para dirimir eventual controvérsia decorrente da relação jurídica entre partes, sendo regulado pela Lei 9307/96.

            A arbitragem, portanto, pode ser conceituada como:

um método de solução extrajudicial de conflitos”. Assim, podemos conceituar a arbitragem como sendo o processo através do qual a controvérsia existente entre as partes é decidida por terceiro ou terceiros (árbitros) imparciais, e não pelo Poder Judiciário (juízes).

Esses terceiros imparciais são indiciados pelas próprias partes  ou indicados na forma por elas desejada (por uma instituição, por exemplo). “A arbitragem é, assim, um exercício da própria liberdade das partes que podem escolher como desejam que a controvérsia seja decidida, se de forma judicial (juízes) ou de forma privada (árbitros)” (RODOVALHO, 2017, p.10)

            No ordenamento jurídico pátrio,  a arbitragem vem ganhando espaço como alternativa para resolução dos conflitos, seja pela celeridade, qualidade nas decisões em razão da especialidade do árbitro ou mesmo pela confidencialidade do procedimento, mas ainda assim, é pouco utilizado pelo valor que muitas vezes supera o custo de uma ação judicial ou mesmo pela falta de confiança do jurisdicionado por se tratar de uma justiça privada.

            Mas hoje, não se tem dúvidas que as soluções de conflitos realizadas fora do Poder Judiciário são bem mais eficazes e seguras do que as disputas submetidas ao Estado, mormente por exteriorizar de forma mais fiel à vontade das partes:

A estrutura da arbitragem funda-se essencialmente na liberdade dos indivíduos, pois, em sua base, estão dois contratos que, como sabemos, são, por definição, a expressão da liberdade individual: um contrato entre as partes litigantes pelo qual escolhem a arbitragem como forma de solução de conflito; e outro, entre os litigantes de um lado e o arbitro do outro, tendo por objeto a obrigação deste de decidir o conflito em nome e por mandado das partes (ROCHA, 2008, p.5).

            As relações de trabalho, pela própria natureza protetiva e pela limitação do exercício da autonomia da vontade, somente após o advento da Lei 13.147/17 admitiu-se a arbitragem como forma de solução de disputas entre empregado e empregador, e ainda assim somente para aqueles que são hipersuficientes nos termos da Lei.[2]

IV – A   INCLUSÃO DA CLÁUSULA MED-ARB COMO FORMA DE GARANTIR A VALIDADE PLENA DA VONTADE

            Diante da admissão legal da arbitragem como forma de solução dos conflitos trabalhistas e da insegurança trazida pela própria Justiça do Trabalho nas Homologações de acordo através da Jurisdição Voluntária, solucionamos a questão através da introdução de uma cláusula MED-ARB nos contratos de trabalho.

            A cláusula MED-ARB, como toda e qualquer cláusula compromissória, deve ter previsão expressa e clara no contrato de trabalho, conforme preceitua a CLT e a Lei 9.307/96.[3]

            Trata-se da denominada cláusula escalonada, que tem por finalidade um procedimento multietapas, em que se combinam dois ou mais institutos objetivando-se uma construção mais eficaz de solução de controvérsias que seja mais adequado para cada caso:

[…] a previsão contratual na qual as partes convencionam que controvérsias que venham a surgir entre elas serão dirimidas por meio de dois métodos combinados – mediação e arbitragem – e em duas etapas: em uma primeira fase por meio da mediação, seguida por uma segunda, com utilização da arbitragem, caso a primeira não tenha sido palco de acordo entre as partes. (LEVY, 2013, p. 212).

            Apesar de não existir a previsão de mediação como forma adequada de solução de conflitos para as disputas individuais de trabalho, mas apenas para os dissídios coletivos, não há qualquer impedimento legal para que as partes, de introduzir a sua utilização no contrato de trabalho, desde que previsto no contrato de trabalho.

            E a sugestão de criação desta cláusula MED-ARB no contrato de trabalho dos empregados hipersuficientes visa, exatamente suprir a suposta imposição que é atribuída ao empregado, pois existindo uma mediação prévia à arbitragem as partes teriam a oportunidade de amplo debate sobre o objeto da disputa, em um cenário favorável e imparcial, para que, somente se não se alcançasse o acordo, a pretensão seria levada à arbitragem:

As várias etapas possibilitam as partes refletirem sobre os fatos que geraram a disputa (contractual cooling-off period) e assim alcançam uma visão mais realista sobre uma possível solução mesmo que seja na arbitragem (FERREIRA e GIOVANNINI, 2020, p. 369)

            Há de se considerar que a existência de etapas necessárias para a solução de conflitos, inclusive com metodologias híbridas, afasta qualquer dúvida quanto à seriedade do procedimento e com o manifesto consentimento das partes na obtenção da pretensão:

Such clauses typically provide for certain steps and efforts to be taken by the parties prior to commencing arbitration. These initial steps are aimed at finding an amicable settlement of disputes in order to avoid arbitration or litigation. Typically, the initial tiers of such clauses provide for a duty to enter into negotiations, sometimes requiring the attendance of top management representatives, and/or a duty to participate in conciliation or mediation1 processes. The last tier of such clauses provides for the adjudicatory process (arbitration), which is intended to be conducted only if the efforts taken in the initial tiers have failed.” (JOLLES, 2006, p. 329)[4].

            Apesar de ser um excesso de preciosismo face à patente previsão legal que legitima a arbitragem no Direito do Trabalho, a criação de uma cláusula MED-ARB é uma solução para que as partes possam submeter a sua disputa perante o juízo arbitral, mitigando os riscos de eventual nulidade futura pela Justiça do Trabalho, mas desde que a cláusula seja bem elaborada sem qualquer lacuna que possibilite macular a manifestação livre de vontade dos envolvidos.

Artigo elaborado por Eduardo Augusto Gonçalves Dahas
Sócio do Contencioso Estratégico da Andrade Gomes Advogados, Doutor em Direito Processual e Árbitro do Instituto Alleanza

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. Acesso em 26 set. 2017

BRASIL. Decreto Lei 5.452, de 1º de Maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm >. acessado em 15 jun.2017

BRASIL. Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017.Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em 26 set. 2017.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (2. Turma). Processo 0000562-50.2019.5.07.0025. Relator Desembargador Paulo Regis Machado Botelho, 14 out. 2019

DAHAS, Eduardo Augusto Gonçalves.  Os procedimentos sumário e sumaríssimo no direito processual do trabalho: uma necessária releitura crítica à luz da teoria do processo constitucional no estado democrático de direito. Belo Horizonte: RTM, 2018.

FERREIRA, Daniel Brantes; GIOVANNINI, Cristiane Junqueira. As cláusulas multi-etapas e híbridas de solução de conflitos como solução para tempos de incertezas: algumas experiências do direito comparado. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, n.42, p.366-376, set./dez. 2020. Disponível em: <https://revistas.newtonpaiva.br/ redcunp/wp-content/uploads/2021/01/DIR42-23.pdf> Acesso em 03 de abr de 2023

GADOTTI, Maria Lúcia Menezes. O hipersuficiente na nova legislação trabalhista. Migalhas, Riberão Preto: São Paulo, 23 jan. 2018. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI272793,71043-O+hipersuficiente+na+nova+legislacao+trabalhista. Acesso em: 03 abr. 2023.

JOLLES, Alexander. Consequences of multi-tier arbitration clauses: issues of enforcement. 72 Arbitration – London 4, 2006, p. 329-338

LEVY, Fernanda Lourenço. Cláusulas escalonadas: a mediação comercial no contexto da arbitragem. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

NAHAS, Thereza. Novo Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

PEDROSO, Marcelo Batuíra da C. Losso. Liberdade e irrenunciabilidade no direito do trabalho: Do estudo dos princípios à economic analysis of law aplicados ao direito do trabalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2005

ROCHA, José de Albuquerque. Lei de arbitragem: uma avaliação crítica. São Paulo, SP: Atlas, 2008. p. 5.

RODOVALHO. Thiago. Manual de Arbitragem para Advogados. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DA ARBITRAGEM. 2017. Conselho Federal da OAB. CACB – Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil.


[1] Artigo 444 da CLT

[2] Art. 507-A.  Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na  Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (BRASIL, 2017)

[3] Art. 3ºAs partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. 

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. 

[4] Essas cláusulas normalmente fornecem certas etapas e esforços a serem tomados pelas partes antes do início da arbitragem. Essas etapas iniciais visam encontrar uma solução amistosa de disputas para evitar arbitragem ou litígio. Normalmente, os níveis iniciais de tais cláusulas preveem o dever de iniciar negociações, às vezes exigindo o atendimento da alta administração representante e/ou dever de participar de processos de conciliação ou mediação. O último nível de tais cláusulas prevê o processo adjudicatório (arbitragem), que ocorrerá apenas se os esforços realizados nas camadas iniciais falharem.